Corrida pra vender cigarro
Cigarro pra vender remédio
Remédio pra curar a tosse
Tossir, cuspir, jogar pra fora
Corrida pra vender os carros
Pneu, cerveja e gasolina
Cabeça pra usar boné
E professar a fé de quem patrocina
Eles querem te vender...
Eles querem te comprar...
Querem te matar (a sede)
Eles querem te sedar!
Quem são eles?
Quem eles pensam que são?
Quem são eles?
Quem eles pensam que são?
Quem são eles?
Quem são eles?
Corrida contra o relógio
Silicone contra a gravidade
Dedo no gatilho, velocidade
Quem mente antes, diz a verdade
Satisfação garantida
Obsolescência programada
Eles ganham a corrida
Antes mesmo da largada
Eles querem te vender...
Eles querem te comprar...
Querem te matar (de rir)
Querem te fazer chorar
Quem são eles?
Quem eles pensam que são?
Quem são eles?
Quem eles pensam que são?
Quem são eles?
Quem são eles?
Vender...comprar...
Vendar os olhos...jogar a rede...contra a parede
Querem nos deixar com sede,
Não querem nos deixar pensar!
Quem são eles?
Quem eles pensam que são?
Quem são eles?
Quem eles pensam que são?
Quem são eles?
Quem são eles?...
Humberto Gessinger é um exímio letrista. Ele brinca com a disposição e o aspecto frasal, formulando verdadeiras charadas de múltiplos e geniosos sentidos; a ambiguidade é o toque artístico ímpar do compositor gaúcho.
A música “Terceira do Plural” é um ataque aos “grandes ocultos”, referidos, indeterminadamente, como “eles” – pronome muito corriqueiro em filosofadas de boteco a respeito dos detentores do poder ou das teorias de conspiração que governam o mundo.
Na primeira estrofe, fica clara a seqüência lógica imposta pelo capitalismo publicitário. Já na segunda, existe uma interessante imagem: “Cabeça pra usar boné E professar a fé de quem patrocina”. Ou seja, há uma massa ignara que faz uso de seu atributo intelectual apenas para dar valor às marcas que ostenta.
O que mais chama a atenção na letra é o refrão, que mostra como o consumidor, em verdade, nada mais é do que um produto, assim como os que consome. Na passagem “Eles querem te vender” pode ser feita a interpretação tanto como o desejo de vender produtos ao consumidor, quanto como o de o próprio consumidor poder ser vendido, usado como moeda de troca pelo consumismo. Trocando em miúdos, seria mais ou menos como se os patrocinadores das corridas de carros vendessem seus consumidores – os tele e os não tele espectadores – aos patrocinadores das indústrias tabageiras, e estes, por sua vez, às indústrias de farmacos. Um ciclo perfeito, fazendo rotar não os produtos, mas sim os consumidores.
A partir da quinta estrofe, é feita uma descrição da lógica consumista fútil e irracional, implantada quase à força na sociedade. A expressão “time is money”, sintetiza a ideia da “Corrida contra o relógio” dos tempos modernos.
Contra a televisão e à mídia se abate a passagem “Quem mente antes, diz a verdade”; pois, na atualidade, com a velocidade instantânea da transmissão de informação, qualquer fato que for divulgado massivamente, em pouco tempo vai ser tido como verdadeiro por todo o mundo, mesmo sendo de conteúdo falacioso.
“Querem nos deixar com sede, Não querem nos deixar pensar!” aí o consumidor é tratado como um fantoche, facilmente manipulável – inclusive por mensagens subliminares – estando sedado para os acontecimentos, completamente passivo ao que ocorre, um robô adestrado para consumir.
Essa música é uma boa palhinha do poder de fogo sutil e corrosivo de Gessinger.